Apresentação
Dr. João Alves Dias, presbítero casado, licenciado em filosofia e professor aposentado. Colaborou na criação da Obra Diocesana de Promoção Social como ?sacerdote responsável?, tendo feito parte do primeiro Conselho Presbiteral da Diocese do Porto.
Autor da obra ?Nos Alvores da Obra Diocesana?, que se encontra disponível na Internet na pagina com o meu mesmo nome.
Pastoral do coração
Falar de D. Florentino é avivar a ?memória agradecida? (Voz Portucalense, 15/4/2015) de um bispo que sabia aliar a subtileza de espírito à bondade de coração e associar a vocação contemplativa ao empenho pastoral, pondo em prática o que havia escrito em 1944: ?o ideal mais alto que se poderá viver na terra é a aliança da contemplação com a acção?. Místico e pastor com especial cuidado pelos mais necessitados.
Era eu ainda um quase menino quando, em Outubro de 1954, o conheci como director espiritual do seminário de Vilar. Foi curta a convivência pois logo em Março de 1955, foi Sagrado Bispo. Mas na minha memória de pré-adolescente ficou-me a palidez do rosto num semblante de asceta, e a palavra mística numa voz pausada e penetrante.
Voltei a estar com ele em 1961. No verão desse ano, eu e o meu colega Teixeira Coelho, então alunos do Seminário Maior do Porto, organizámos em Albergaria das Cabras, (agora, da Serra), no alto da Serra da Freita, em Arouca, uma colónia de férias para crianças do bairro da Sé, um viveiro de gente pobre e desprezada. Nesse tempo Albergaria das Cabras, não tinha estrada e a única que a ligava à Vila de Arouca chegava apenas ao local onde ainda hoje se situa o radar. Todo o resto do percurso era feito a pé por caminhos íngremes e fragosos. Mas, apesar destas dificuldades, D. Florentino quis estar connosco, foi visitar-nos, almoçou lá com as crianças e aproveitou o resto do dia para visitar os doentes da aldeia.
A preocupação pelas populações mais desfavorecidas, levou-o a criar, em Fevereiro de 1964, a ?Obra dos Bairros? com o apoio de muitos leigos vindos dos movimentos dos Cursos de Cristandade, que ele tinha introduzido na diocese. Entre esses, e sem desprimor para os restantes, quero realçar o entusiasmo do Engenheiro Alberto Pinto de Resende, sobrinho por afinidade de D. Florentino, que apoiou a Comissão do Centro de Convívio no Cerco do Porto e pertenceu aos órgãos directivos da Obra em 1966.
D. Florentino confiou-me, e eu era um jovem de 24 anos, a missão de ser o primeiro ?sacerdote responsável? daquela que era ?a menina dos seus olhos? e tinha por objectivo ?promover o desenvolvimento integral do homem como agente da sua própria história, fazer dos habitantes dos bairros ?cidadãos de primeira? e ajudá-los a criar novas comunidades. Todas as semanas me recebia para falarmos da Obra e suas actividades. E com que atenção me ouvia... Sabia o que queria mas também estava disponível para ouvir a opinião dos seus colaboradores. Nem sempre as nossas opiniões convergiam mas ele nunca impunha a sua. Recordo que, em dois momentos importantes para o futuro da Obra, acabou por aceitar a minha sugestão. Era um homem aberto ao diálogo. E sabia valorizar a gente jovem.
O primeiro trabalho da Obra foi no bairro do Cerco do Porto e, talvez por isso, D. Florentino tenha estabelecido uma relação muito próxima com os seus habitantes. Sempre que tinha algum domingo livre de outros compromissos pastorais, aparecia na capela do bairro e presidia à Eucaristia dominical. Não havia preparações especiais. Sentia-se em casa. Os moradores habituaram-se a vê-lo como seu pastor. As crianças tratavam-no com o mesmo carinho que dedicavam ao seu padre e, como não sabiam o seu nome, saudavam-no simplesmente como ?Senhor Padre Bispo?, o que sempre fazia aparecer um sorriso na palidez ascética do seu rosto. Para elas, Bispo não era título de importância, mas nome duma pessoa que as acarinhava. Nesses momentos, era verdadeiramente o pastor a sentir o cheiro das ovelhas, como bem diz o nosso Papa Francisco.
Mas a acção de D. Florentino não se esgotou na criação da Obra de Promoção Social.
Atento às alterações demográficas e suas exigências pastorais, lançou as bases de mais de uma dúzia de novas paróquias que sempre entregou ao cuidado de jovens sacerdotes. Para formação e assistência do Clero, fez nascer o Seminário do Bom Pastor e fundou a Fraternidade Sacerdotal. Ordenou cerca de duas centenas de presbíteros. Criou o Conselho Presbiteral. Em 1964, transferiu a sua residência da Torre da Marca para o antigo Paço, junto da Sé e criou o Centro de Cultura Católica, que ocupou o edifício deixado livre. Interessou-se pelas novas problemáticas, como a do planeamento familiar, em que contou com a preciosa colaboração do Dr. Albino Aroso. Foram 10 anos de intenso e esperançoso labor pastoral em tempos de angústia na sociedade portuguesa e de contradição na Igreja do Porto.
D. Florentino, homem do silêncio, sofreu e morreu em silêncio. E do silêncio urge resgatar a sua memória.
Por tudo isto, e muito mais que fica por dizer, gosto de classificar a sua acção Episcopal como uma ?Pastoral do Coração?.
Este meu testemunho poderá ser enriquecido com a leitura do livro Nos Alvores da Obra Diocesana, disponível na Internet.
João Alves Dias
Apresentação
Gervásio Poças
Homem de Fé, com fortes ligações à Igreja Católica, fez parte do grupo percursor e dinamizador do movimento dos Cursos de Cristandade na Diocese do Porto. O testemunho aqui nos deixa, tem o condão de abrir a perspectiva analítica da obra de D. Florentino de Andrade e Silva, à vertente do relacionamento com outras franjas autónomas e importantes coexistentes no seio da comunidade católica. O movimento dos Cursos de Cristandade é oriundo de Espanha e alargou-se um pouco por todo o mundo tendo granjeado assinalável expressão junto das comunidades latinas da Europa, África e América do Sul.
O Bispo e o Cursos de Cristandade
Ao comemorar os 100 anos do nascimento do Sr. D. Florentino de Andrade e Silva, sua sobrinha D. Marta e minha querida amiga pediu-me para escrever sobre D. Florentino e a sua participação na vida deste grande movimento que são os Cursilhos de Cristandade movimento esse em que me apaixonei há mais de 50 anos.
Pois bem, o Senhor D. Florentino desde a primeira hora acarinhou e incitou os responsáveis da altura que eram homens de ?quebrar que torcer? a irem em frente, não obstante as grandes dificuldades que encontravam pela frente especialmente em arranjar uma casa onde se pudesse realizar os cursos.
D. Florentino, que vivia com esses grandes homens as dificuldades e fruto do entusiasmo do movimento que sempre acarinhou, cada vez mais animava a irem em frente. Com a Graça de Deus um grupo de Curssilhistas de Cortegaça ofereceu um terreno para se construir essa casa. Tal empreendimento exigia muito esforço de vária ordem. ?Mas Deus quis os homens sonharam e a obra fez-se?. Organizou-se o projecto que é enviado para Roma onde decorria uma das sessões do Vaticano II e ai se encontrava o Senhor D. Florentino que dá o seu aval enviando palavras de incitamento e a sua Bênção Apostólica. De regresso a Portugal D. Florentino preside ao lançamento e bênção da primeira pedra e a Obra nasceu?
Num dos vários momentos em Cortegaça com o Sr. D. Florentino na sala dos Rolhos, ainda sem cobertura um responsável do secretariado propõe que a casa se venha a designar por ?Casa de S. Paulo?, D. Florentino recebe a ideia com alegria e a casa assim passa a tomar o nome do Apostolo que algum tempo antes o Papa Paulo VI designaria como Patrono dos Cursos de Cristandade e no dia 16 de Outubro de 1966 imensa gente assistiu à inauguração e participaram na Santa Missa presidida pelo Bispo Administrador da Diocese, o Senhor D. Florentino de Andrade e Silva.
A casa de S. Paulo de Cortegaça é a Coroa de Glória do nosso querido movimento.
Penso que estas mal alinhavadas palavras retratam de maneira evidente como o Senhor D. Florentino foi muito importante no nosso movimento.
Também tive a graça de estar mais uma vez junto dele em finais dos anos sessenta na inauguração da Capela da União, obra de auxílio e recuperação a ex-reclusos, fundada por Curssilhista dos quais eu também fui um deles.
Gervásio Poças