No passado dia 24, foi levada à cena no Cineteatro António Lamoso, a peça ‘A Promessa’, de Bernardo Santareno, um drama que retrata a vida quotidiana de uma comunidade piscatória portuguesa, em meados do século XX.
O cerne do enredo prende-se com a tensão entre um jovem casal, decorrente de uma promessa de castidade, feita por ambos, no intuito de salvar o pai do noivo de uma tremenda tempestade.
A peça põe a nu a influência da fé e das superstições religiosas, que provocam grandes pressões, nomeadamente, frustrações de cariz sexual. Tendo como personagem central a figura de Maria do Mar, esta personifica a mulher sofrida e revoltada, a quem o marido não permite qualquer intimidade amorosa, e para agravar a situação, a promessa de castidade que ela e o marido fizeram no dia do casamento viria a ser destrutiva para ambos, dando origem a cenas de ciúmes e de violência.
Obras como esta jamais deveriam ser votadas ao esquecimento. Bernardo Santareno faz o retrato de um povo pobre e inculto, explorando temas sensíveis como os preconceitos e a superstição religiosa, o que lhe valeu a censura da época e a repressão da Igreja Católica. Na verdade, esta peça, tal como outras obras do mesmo autor, foi proibida durante vários anos.
No Teatro António Lamoso, os atores demonstraram uma maturidade interpretativa notável, já que estamos a falar de amadores. De referir que o encenador, Manuel Ramos Costa, uma pessoa já com provas dadas ao longo da sua carreira noutros grupos de teatro, desenvolveu com este grupo um trabalho que deve ser enaltecido. O grupo de Teatro Experimental do Orfeão da Feira merece o carinho e a gratidão dos Feirenses, bem como de tantos outros que terão o privilégio de assistir a este espetáculo. Estou certo de que esta peça irá correr muitos outros palcos.
Apenas um pequeno reparo construtivo. Sabemos que a cultura no nosso país não tem a divulgação que seria desejável. Assim sendo, uma das formas de atrair as pessoas para a leitura, música clássica, teatro e outras expressões de arte, seria torná-las acessíveis, compreensíveis e apaixonantes. Nesse sentido, deveria ter sido feita, previamente, uma breve contextualização histórica da época inerente à peça de teatro. No entanto, nunca será demasiado realçar que foi um excelente espetáculo com gente que ama o teatro.
Duas notas finais para avivar a memória dos Feirenses. O teatro tem raízes desde o início do século XX na Vila da Feira. Existiu um teatro junto ao Convento dos Lóios, o Teatro D. Fernando II, cuja primeira atuação pública remonta a 1912, mas que viria a ser destruído, anos mais tarde, por um incêndio. Todavia, a paixão dos nossos conterrâneos
pelo teatro nunca esmoreceu, graças ao Orfeão da Feira que, entre várias atividades culturais, continua a apresentar o seu famoso teatro de revista na Festa das Fogaceiras, com atores que se tornaram muito conhecidos ao longo de todos estes anos.