Orlando Macedo
De cada vez que parece esgotado o manancial de surpresas gerado pelo ex-presidente da República, Cavaco Silva, o personagem vem à praça pública fazer prova de vida, muitas vezes em termos insultuosos para quem tem memória. Como agora, no artigo de opinião acabado de publicar no ‘Observador’ — o que me impulsiona na reacção — e em que visa o actual primeiro-ministro e a sua acção governativa.
Ao caso, não me cabe defender o actual primeiro-ministro, nem é essa a intenção. Mais; não creio que António Costa necessite de tão humilde apoio e — ainda menos, tenho a certeza — do recurso ao meu exíguo argumentário. Antes, há alguns pontos no enunciado do(s) ex-primeiro ministro e ex-presidente que me deixam perplexos. Porquanto…
…Lembro-me que foi sob a governação de Cavaco Silva que foi desferido o pior ataque alguma feito às PME, então a viver num enquadramento sócio-económico surreal. Na altura, a então ministra das finanças (Manuela Ferreira Leite) à falta de capacidade funcional, e tendo advogado a «suspensão da Democracia», acabou a declarar que a situação tinha a virtude de proporcionar um processo de selecção natural, sobrevivendo unicamente as [PME] que valessem a pena. (Não nestes exactos termos, mas neste exacto sentido).
Também me lembro dos laivos racistas com que Cavaco Silva actuava na vida pública: era arrogante para com os Africanos (“mas já chegámos ao Uganda?”, retrucou ele a um jornalista que se atreveu a incomodá-lo em público com uma pergunta qualquer); porém, subserviente para com os Europeus, como ficou demonstrado durante a vista oficial que fez à então República Checa, onde ouviu um chorrilho de insultos a Portugal e aos Portugueses. Na ocasião ouviu, comeu (literalmente) e calou…
Ora eu que, quer pessoal, quer profissionalmente também “nunca tive jeito ou apetência para a arte de sedução” dos profissionais da política, confesso-me refém dos ditames da memória, pelo que “muito me incomoda” o exercício da vanglória absurda por parte de quem deveria ter rebuço e resguardo. Porquanto foi Cavaco Silva quem – durante a vigência do II Quadro Comunitário de Apoio — mandou cimentar as hortas, afundar os navios e abater o gado. Tratou-se então de uma patética demonstração de miopia sócio-política que os acontecimentos de hoje cruelmente desnudam, porque a falta de visão estratégica de ontem é hoje que se paga...
Apesar de tudo, reconheço que sobrou algum prestígio (porventura empolado) da acção política do ex-primeiro Ministro e Presidente da República. Por isso — e admitindo desde já estar errado — lamento sinceramente que o sr. Aníbal insista no seu patético hara-kiri, como se quisesse dar cabo do (frágil, digo eu) legado de Cavaco Silva.