Em Portugal nunca existiu um partido que se assumisse como liberal (até aparecer recentemente a Iniciativa Liberal), ou um primeiro-ministro que assumisse sem rodeios que iria aplicar políticas liberais. Antes pelo contrário, políticas liberais em Portugal sempre foram mal-amadas e consequentemente recusadas, mais ou menos na proporção inversa em que o nosso país empobrecia (e empobrece).
Apesar disso, existe em Portugal uma narrativa instalada que considera que o nosso país não precisa da adopção de políticas liberais, pois já tem liberalismo suficiente, ou eventualmente, até em excesso. Tal visão, habitualmente defendida pela esquerda, mas também por alguma direita, não deixa de ser uma ideia caricata. Se nunca nenhum partido ou governo se assumiu como liberal, ou que iria aplicar medidas liberais, como é possível afirmar que Portugal segue (ou seguiu) políticas liberais?
Isto não acontece no resto da Europa. Na Holanda, por exemplo, governa um partido que se assume como liberal e na Dinamarca, o maior partido do país assume-se como liberal, nomeadamente o Venstre. Mas será possível dar exemplos concretos das diferenças entre políticas socialistas e liberais? Há 30 anos atrás, Portugal e Irlanda estavam sensivelmente no mesmo patamar em relação à riqueza por habitante. Em 1995, a receita (fiscal e contribuições sociais) cobrada pelo Estado Português era de 36,2% do PIB. Em 2016 foi de sensivelmente 43% do PIB (impostos sempre a subir). Na Irlanda, no mesmo período, caiu de 36,0% para 31,1%, (impostos a descer). A despesa total do Estado Português em 1995 era de 42,6%. Em 2016 foi de 46,6%. Os números comparáveis para a Irlanda são 40,8% e 32,4%. E a dívida pública? Em Portugal, era de 58,3% em 1995 e em 2016 estava nos 126% (hoje já vai acima dos 130% do PIB). Na Irlanda também subiu, mas de 78,5% para 89,1%. Isto explica tudo? Não, mas explica muita coisa. Em 1995 em Portugal vencia o Guterres e o nosso país nos últimos 26 anos foi governado sensivelmente 21 anos pela esquerda. Por outro lado, em 1995 na Irlanda optava-se por seguir políticas liberais e hoje a riqueza por cidadão na Irlanda é quase 4 vezes superior à portuguesa.
Curiosamente, países com maior liberdade económica são tendencialmente, países que oferecem melhores condições de vida. Mas em concreto, o que podem fazer as políticas liberais pelo nosso país?
Deixo alguns exemplos:
– Diminuir as limitações relativas à liberdade política: sistema eleitoral desproporcional que favorece os incumbentes, sistema de financiamento dos partidos que favorece os incumbentes, inexistência de mecanismos da participação do cidadão, bloqueios a plataformas independentes, bloqueios ao escrutínio do governo, captura da administração pública pelos incumbentes, centralização das competências do estado, etc.
– Diminuir as limitações relativas à liberdade económica: grande nível de despesa pública (acima da média da OCDE), grande nível de carga fiscal (acima da média da OCDE), grande nível de esforço fiscal (acima da média da OCDE) protecionismo para com certas industriais ou empresas, captura regulatória, promiscuidade entre políticos e empresários, grandes encargos administrativos, bloqueios à entrada de certas atividades, desconfiança sobre o mercado de
capitais, falta de competição nos serviços públicos, pouca participação do sector social e privado nos serviços públicos, regulações sem critérios de objectivos e eficácia, etc.
– Diminuir as limitações às liberdades sociais: limitações ao uso de substâncias psicotrópicas, limitações moralistas a procedimentos médicos (ex.: doação de rins a estranhos), limitações à liberdade de expressão (em crescimento, com o crescimento da esquerda, a ditadura do politicamente correto ganha forma), limitações à privacidade, etc.
Apesar de ficar seguramente muito por escrever, parece-me evidente que o liberalismo faz falta ao nosso país, para contrariar o nosso empobrecimento progressivo face aos restantes parceiros europeus. É preciso extrair o pendor clientelista e rentista da nossa economia, pendurada habitualmente na asa do Estado. Portugal precisa mesmo de mais liberalismo e é preciso afirmá-lo, sem rodeios.