Nunca em tempo algum, se falou tanto de vacinas, como neste tempo, em que a informação se multiplica em linguagens, de origens e suportes, desde as muito credíveis às mais desprezíveis, (mais populares), que fazem com que as vacinas estejam na ordem do dia. Nem mesmo quando aconteceu com a vacinação, que erradicou a doença da varíola, o tema foi tão “badalado”, como agora, com a covid-19. Devemos perceber que as vacinas são o corolário de milhares de anos, de evolução da ciência ou da medicina, no entendimento do mundo. É importante, que nós, (que não somos especialistas), tenhamos, pelo menos, a curiosidade de perceber que a descoberta de vacinas para esta doença, que tem dado cabo da vida de tanta gente, em todo o mundo, (e não se sabe por quanto tempo nos fustigará), foi o que se poderá dizer – uma rapidez de “milagre”.
Senão, vejamos a varíola, uma tremenda doença que matou milhões e milhões de pessoas, durante milénios, é preciso perceber-se que, entre a invenção da vacina por Edward Jenner, (que foi o primeiro a “inventar” uma vacina), e a erradicação da doença, foram quase 200 anos. E mais, para se perceber melhor, o que foi um triunfo, ao alcançar-se vacinas para a covid-19, no espaço de um ano, é bom referirmos que as primeiras vacinas para a gripe, só apareceram durante a Segunda Guerra Mundial, muito depois do estímulo dado 20 anos antes, pela pandemia terrível da gripe pneumónica, (conhecida por gripe espanhola).
A vacina da varíola foi a primeira, e depois, veio Pasteur que cunhou o termo vacinação, com a descoberta de vacinas para a raiva, a cólera e o carbúnculo, a par de muitos outros inventores de vacinas, que ficaram na história desta revolução sanitária. Acho que é do conhecimento geral, a BCG, (Calmette e Camille Guérin), sigla que ficou associada à vacinação contra a tuberculose – a BCG que também significa “Bacilo de Calmette-Guérin) – vulgarmente conhecido em linguagem corrente, por “Bacilo de “Koch”. E mais recente, o que é bem do conhecimento dos mais velhos, é a vacina contra a poliomielite, de Jonas Salk, que não é assim tão conhecido.
Importante, é que todos compreendam o facto de a vacinação não ser apenas um meio de proteção individual, mas também, de salvaguarda da comunidade. Saiba-se que, tão antigos como as próprias vacinas, sempre houve os negacionistas e partidários de teorias da conspiração, que não aceitam a verdade da história, mas se ficam pela ignorância.
A ideia da vacinação veio muito depois de descoberta a perceção de imunidade. Trata-se da possibilidade dos indivíduos, que tendo tido contactos com a doença e sobrevivido, poderem ficar a salvo posteriormente, dessa doença, ou serem menos afetados por ela. No nosso tempo preconceituoso, em certas zonas do globo, há quem associe ao surgimento de doenças, com uma boa dose de certeza, a origem do milagre sanitário que são as vacinas. As formas de inoculação que evoluíram, depois, para a vacinação, terão tido origem na China ou na Índia. E a varíola é uma doença específica que está na base de tudo. Não temos de nos admirar. Trata-se duma doença que flagela a espécie humana, sabe-se lá desde quando.
A varíola foi a primeira enfermidade, para a qual se desenvolveu uma vacina, no final do século XVIII, sendo na altura a única doença humana que se considera erradicada, conforme declarou a Organização Mundial da Saúde em 1980. No século XVIII, a varíola era a principal causa de morte na Europa, levando em média 400 mil pessoas por ano. Em meados do século XIX, quando a vacina já existia, há registo de grandes epidemias de varíola, como a que foi desencadeada pela Guerra Franco-Prussiana que matou, entre 1870 e 1875, meio milhão de pessoas. Há textos chineses, que indicam que a varíola era transmitida por partículas em suspensão, (hoje dizemos aerossóis), originadas das pústulas que rebentavam em indivíduos dentes. Os chineses apercebiam-se dos efeitos de imunização, causados pela doença, entre os que lhe sobreviviam.
A palavra vacina vem de vaca. Parece simples esta forma de colocar as coisas, mas é verdade. Nos primórdios paleolíticos e neolíticos, de que não existem registos, o crescimento da convivência do homem com os animais, foi uma porta de entrada para muitas doenças. Mas, também recebemos dos animais, não a cura, mas a profilaxia. Foi um processo lento, decorrente, que decorrerá sempre, até que a ciência descubra um método mais eficaz de prevenção das doenças, promovendo a saúde. Em Portugal, temos desde finais do século XVIII, até à grande revolução que foi o século XX, um Plano Nacional de Vacinação, desde 1965. O bom resultado da vacinação, depende sempre da sua aplicação à escala global, não se tratando dum privilégio apenas acessível a indivíduos ou países com maior poder de compra.
John Williamson, um autodidata, com apenas a educação básica e sem ter sido treinado nas artes médicas, desenvolveu um soro para Variolação, que parece ter salvado a população de Shetland, que se via a braços com surtos de varíola, ciclicamente. Terá inoculado três mil pessoas e não perdeu nenhum paciente. Ora, este homem recolhia o pus de pústulas de doentes com varíola, (que designava de “matéria”) e submetia a um longo processo para reduzir a virulência: primeiro, defumava a “matéria” com turfa, depois enterrava-a com cânfora, acondicionada entre placas de vidro, e só passados sete ou oito anos, a desenterrava, para aplicar em pessoas, com o auxílio de uma faca, que ele próprio preparou para o efeito, (a incisão onde introduzia a “matéria, que depois ligava com folhas de couve). Edward Jenner, a quem é atribuído universalmente a descoberta da vacina contra a varíola, não usava couves nem descobriu sozinho a vacina com que ele próprio foi variolado, enquanto criança. No entanto, o crédito da descoberta da vacinação é inteiramente atribuído a este médico. Edward Jenner era um médico com um espírito científico apurado, e um naturalista de excelência, não apenas pelas suas conquistas enquanto médico, mas por revelações relacionadas com cucos. Independentemente das suas descobertas em torno da varíola, há uma versão de que ele chegou sozinho à ligação entre a doença bovina e a imunidade à doença humana, (além duma constatação largamente difundida na época, a de que, as leiteiras não contraíam varíola, de modo geral). Registava e dividia em três grupos, as pessoas que submetia à Variolação: as que desenvolviam apenas uma forma muito ligeira de varíola, e recuperavam; as que contraíam formas intensas mais graves de varíola; as que tinham uma reação cutânea no local das variolizações, mas não desenvolviam quaisquer sintomas da doença.
E são estes, apenas, alguns tópicos da história das vacinas, de que tanto se fala atualmente, por causa da covid-19.