Após o término dos campeonatos de futebol vemos, a passo calmo e receoso, erguer-se um novo campeonato sazonal, as Autárquicas.
Falamos da competição acérrima de clubes grandes que projetam nas suas formações de nível Z a esperança do seu crescimento nacional. Estas clubes locais da Liga dos Últimos não passam de fitoplâncton dos peixes graúdos, mas, à sua escala, tentam mobilizar todos os da terra para virem a jogo. Todos os que vestem a sua camisola porque os que tenham cores diferentes não podem jogar na sua equipa. Nem mesmo aqueles que não tem camisola porque esses não possuem equipamento. Finam-se por táticas centenárias que definem que deve existir uma separação bem definida dos esquerdinos, dos destros, dos centrais, dos extremos direitos ou dos extremos esquerdos. Basicamente devem andar cada um na sua zona de campo sem qualquer tipo de falta, transgressão ou fora de jogo. As linhas de jogo já se encontram desgastadas e viciadas pelo tempo, mas servem para manter todos os clubes dentro de campo. O vídeo árbitro passa num televisor a preto e branco e nem sempre se entende as movimentações dos jogadores.
Neste campeonato, ao contrário do futebol, não há regras escritas aliás, são um segredo muito bem guardado que passa de geração em geração. As camadas jovens são convidadas a sentarem-se na bancada com máscara obrigatória ou, com sorte, no banco de suplentes, a puxarem pela equipa e a esperarem pela convocatória de jogo. No pensamento dos aspirantes jogadores vive uma esperança de uma expulsão por cartão vermelho ou por um ser que caia inanimado em campo. Por cansaço e dormência das nádegas optam por mudar de equipa ou por enveredar por outra área de interesse pessoal.
Quanto aos treinadores nunca se sabe muito bem quais são efetivamente os requisitos mínimos para aprovação da direção ou do público. Fala-se em formação curricular, em medalhas, em acumulação de taças e troféus, em experiência na área, em reconhecimento na praça pública, em idoneidade, em idade, mas nunca se discute verdadeiramente se traz as chuteiras rompidas, os joelhos esfolados do campo de treinos e o saco das bolas.
É de salutar o envolvimento e apoio incansável das claques neste processo inicial, mas a verdade é que durante o jogo real as bancadas ficam vazias, sem voz e ainda com os estandartes e cachecóis por recolher.
Com as bancadas interditas a público aumentam exponencialmente os treinadores de bancada que, sentados confortavelmente no seu sofá com a mini e o pires de tremoços, proferem opiniões e juízos de valor gratuitos e sem arbitragem. Vale tudo menos arrancar dentes.
De fora do estádio ouvem-se comentários de salários milionários auferidos pelos treinadores. Os aspirantes a treinadores fazem contas à vida e averiguam se lhes compensa monetariamente prescindir do seu trabalho e da sua vida pessoal para se entregarem à sua equipa. Prometem o impossível na esperança de que a sua direção lhes dê todas as condições propícias a uma boa época.
Nos associados do clube reside uma réstia de esperança de que o treinador engravatado e de chuteiras consiga efetivamente alterar o seu futuro, mas esta desvanece com o passar do tempo
porque provavelmente o mais acertado seria a reestruturação das linhas, a convergência das táticas e a escolha do treinador e da equipa multidisciplinar com mangas arregaçadas e com dedicação e entrega pela sua terra.
Na verdade, para este jogo a gravata e as chuteiras são totalmente dispensáveis porque o propósito fundamental é o futuro das pessoas. E com este não se joga!