Há 36 anos o mundo do futebol mudou para sempre. No estádio de Heysel, na Bélgica a 29 de Maio, disputava-se a final da Liga dos Campeões entre a Juventus de Platini e o Liverpool de Ian Rush e quando se expectava uma partida de futebol de alto nível, eis que todo o foco mudou. As cenas de pancadaria, a desordem, o insulto, o pânico e a morte implementadas pelos chamados hooligans, foram os atores principais. Os tumultos que se desencadearam fora do estádio estenderam-se ao recinto desportivo originando um estrondoso número de feridos (cerca de 600 pessoas) e um lamentável número de mortes. Morreram 39 pessoas!
Perante esta catástrofe, as autoridades voltaram-se de forma séria para o problema aplicando sanções severas sobretudo aos clubes ingleses. Todas as equipas foram excluídas das competições europeias por um período de cinco anos. No entanto, este negro acontecimento despertou as autoridades para o sério fenómeno da violência no desporto sendo que a partir daí ficou assente a urgência de se reverem todas as politicas, processos, regulamentos e sanções no sentido de abolir por completo estes comportamentos.
O ponto de partida para estes atos reprováveis está maioritariamente associado a grupos organizados, certo é que também acontecem de forma individual tomando muitas vezes para além da violência física a forma de violência psicológica. Adeptos contra adeptos, adeptos contra os árbitros, adeptos contra jogadores e em muitos casos também jogadores contra jogadores. Dirigentes e outros agentes também não ficam imunes.
Será que as leis e as sanções são suficientes para erradicar a violência no desporto?!
Mais do que o desenvolvimento neste campo é fundamental e preponderante trabalhar esta questão de raiz. O impulso agressivo é uma característica intrínseca do ser humano, existe como ‘arma’ para a sobrevivência da espécie, todavia deve ser algo controlável de forma construtiva. A agressividade, impulsionadora da violência é em muitas pessoas uma máscara protetora com o propósito de esconder a baixa autoestima e a baixa competência social que estão associadas à falta de capacidade para a regulação emocional. O despoletar de atos violentos geralmente ganham eco no comportamento de grupo naquilo que se torna uma aprovação distorcida de atos completamente reprováveis. Comportamentos como banalizar o gesto de uma criança que levanta a mão ao avô; rir quando se pontapeia o cão ou o gato; achar o colega mais ‘fixe’ aquele que bate nos outros, são exemplos de normalização da violência que em fase adulta tendem a tomar maiores proporções.
Combater a violência do desporto (e em geral) implica uma mudança de paradigma não só institucional, mas também individual. Certo é que a educação deve sempre partir do berço, contudo os clubes podem e devem assumir responsabilidade social neste âmbito.
Sendo o desporto uma atividade física sujeita a regras, nunca é demais perceber que o desporto é essencialmente um entretenimento, quer para praticantes quer para espetadores. Nesta perspetiva é de todo imprescindível afastar a violência do desporto.
Os clubes podem ser os grandes responsáveis pela promoção de valores. Essa promoção deve começar dentro de portas, de uma forma transversal, desde os petizes até aos atletas seniores incluindo também os adeptos. Se uns dão os primeiros passos os outros devem dar o exemplo, promovendo o real propósito do desporto. A responsabilidade, a verdade, a solidariedade, a ética, a disciplina, o fair-play e o humanismo devem ser alicerces que sustentam um atleta, um pai, uma mãe e um filho. Apesar de seguirmos num bom caminho no que respeita ao tema nunca é demais lembrar que o ponto de partida para a mudança de paradigma foi em Heysel numa tragédia que custou a vida a 39 pessoas.