No passado dia 22 de Março celebrou-se o Dia Internacional da Água e, como seria de esperar, o ministro do Ambiente voltou a fazer das suas. Pouco tempo depois de vir a público ridicularizar os ambientalistas e o seu esforço (por vezes) inglório para combater a crise climática que se aproxima, o ministro Matos Fernandes decidiu subir a parada. Desta vez o alvo não foram os ambientalistas, mas toda a população e em particular os mais desfavorecidos.
Durante a Conferência da Água, realizada no dia 22 de Março, o Ministro proclamou a seguinte frase: “Se o produto água está a tornar-se escasso, o preço deve refletir essa escassez, tanto mais que esse preço é o sinal mais forte que temos a dar aos utilizadores da água no sentido de a usarem de forma mais parcimoniosa”.
Esta afirmação, insultuosa para a generalidade da população, esconde uma verdade que para muitos não é nova: o PS desvia-se cada vez mais para o campo liberal, aproximando a sua visão económica à da direita mais reacionária e conservadora. Mercantilizar a água, através da sua concessão, por si só, já enerva os milhões de portugueses que todos os meses deixam parte considerável dos seus salários para alimentar a ganância de empresas como a Indaqua, mas mesmo assim, apesar de tudo a que temos assistido, nada nos preparava para ver um ministro que se considera socialista a defender o aumento do preço da água quando já somos dos países europeus que mais paga por este bem comum e imprescindível à vida.
Esta visão, impregnada da mais pura cegueira ideológica, transforma o acesso dos cidadãos à água num leilão, onde quem tem mais dinheiro fica com a maior fatia deste bem enquanto quem é pobre se vê obrigado a hipotecar a sua vida para salvaguardar a sua existência.
Infelizmente, largos setores da política nacional revêm-se nesta narrativa, mas nem tudo está perdido. Por todo o país, milhares de cidadãos têm vindo a tomar nas mãos os destinos da sua vida através de consideráveis protestos e manifestações no sentido de reverter as privatizações das concessões da água. Exatamente por ter consciência da existência dessa maioria social que se posiciona do nosso lado, estou certo de que o PS nunca irá ponderar sequer a efetivação deste aumento. No entanto, a intenção está lá, assim como o desrespeito pela vida dos mais carenciados.
É verdade que o futuro será complicado. A crise climática está ao virar da esquina e medidas urgentes e difíceis têm de ser tomadas, mas uma política de esquerda entende isso sem escolher o caminho liberal da desigualdade e da exclusão social. Se muitos ainda acreditam ser possível que um dia o PS venha a convergir ideologicamente com a esquerda, esta lamentável intervenção do Ministro do Ambiente provou que estão enganados. A salvaguarda dos direitos dos mais desfavorecidos, a defesa do meio ambiente e a mitigação das desigualdades no acesso à água passam por uma outra visão da sociedade e do mundo que nos rodeia. Se deixarmos que estas visões continuem a assaltar as nossas carteiras ao fim do mês, o futuro será cinzento. É urgente mudar de rumo. É urgente combater este sistema que explora os mais fracos e abraça os mais fortes. Esperemos que ainda se chegue a tempo de evitar a tão anunciada barbárie, combatendo não só a poluição, mas também as desigualdades. O futuro das atuais gerações assim como das gerações vindouras, depende disso…