Recentemente, eu e milhares de jovens nascidos em 2002 ficámos a saber, através dosite da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, o dia em que teremos de nos apresentar ao Dia da Defesa Nacional. Não acredito na eficácia real desta iniciativa de caráter obrigatório - pelo menos nos moldes em que existe.
Não me oponho a que haja sessões de esclarecimento sobre a natureza e objetivo das Forças Armadas, nem muito menos que estas sejam plurais e abrangentes a todo o território nacional. Só não consigo concordar, sob nenhuma circunstância, que estas mesmas sessões sejam de caráter obrigatório. Concorde-se ou não com as forças militares do nosso país, com a sua visão ou até mesmo com a sua existência, não é aceitável que se obrigue todos os anos milhares e milhares de jovens a participar numa atividade que pode ou não ser do seu interesse, quando deve depender da vontade de cada pessoa participar ou não na mesma.
O modelo que hoje existe, implementado por Paulo Portas em 2004, é arcaico e desatualizado. Pergunto-me: Quantos jovens querem realmente estar ali, naquele dia? Se o jovem realmente quiser saber mais sobre as Forças Armadas, não terá mil e um meios ao seu dispor para obter respostas e esclarecimentos? E que motivos justificam a coação de uma multa em caso de não-participação?
Sabe-se que o Orçamento do Estado para 2019 e 2020 previa um total de três milhões de euros para esta iniciativa, e creio que os números para 2021 serão muito idênticos a estes. Duvido que uma das prioridades reais do país, especialmente no decorrer de profunda crise sanitária e económica como aquela que atravessamos seja o Dia da Defesa Nacional… Há tantas outras prioridades para responder no país nas mais diversas áreas. Por isso, seria sensato avançar para uma suspensão da obrigatoriedade deste modelo e implementar um estudo que leve à minimização de custos.
São muitos os relatos de comentários machistas e homofóbicos nestas sessões - que deveriam envergonhar qualquer nação -, da mesma forma que há jovens que denunciam atitudes, no mínimo, autoritárias por parte de quem dinamiza este dia. Exemplos disso são alguém perder a postura no hastear da bandeira e ser obrigado a lá voltar no dia seguinte ou ser obrigado a cantar o hino nacional sob chuva torrencial, entre muitos outros relatos.
Podem-me dizer que existe o modelo de objeção de consciência, mas é pena que haja uma necessidade de existir este meio burocrático (que pouca gente conhece) para que alguém não seja obrigado a estar onde não quer por sua própria vontade. Como também é uma autêntica aberração obrigar quem não queira comparecer ao Dia da Defesa Nacional a mostrar-se disponível a “cumprir o serviço cívico”, que é como quem diz: “Não vais? Tudo bem, mas serás punido por isso e terás de trabalhar gratuitamente de outra forma qualquer."
No Orçamento do Estado para 2020 (e em muitos outros), houve uma proposta do Bloco de Esquerda pela suspensão do Dia da Defesa Nacional. Infelizmente só contou com os votos favoráveis do próprio Bloco e do PEV. É pena que o PCP, PS, PSD, CDS-PP, IL, CH (através do vota contra) e o PAN (através da abstenção) sejam coniventes com algo que cria repúdio por parte de gerações e gerações de jovens.
Acho que está na hora da sociedade portuguesa ter esta conversa. Afinal, trata-se de uma questão de princípio de valores democráticos: o Estado não pode obrigar nenhum indivíduo a estar numa qualquer situação contra a sua vontade, muito menos quando este já atingiu a maioridade. No fundo, defendo uma posição muito simples: Queres ir? Vai. Não queres? Não vás.
Artigo publicado em publico.pt P3 a 16 de dezembro de 2020