Oito meses depois da imposição de confinamento em Portugal, preparamo-nos para o prolongamento de mais um, dois e quiçá três, estados de emergência e a imposição de novas restrições. Aceitamos estas normas como temos aceitado todas as propostas credíveis para minimizar a propagação descontrolada da doença. Muitas das vezes, propostas essas sem fundamento nem parecer de especialistas na área de epidemiologia, tomadas à revelia dos profissionais, deixando assim estes mesmos perplexos e cheios de revolta.
Em março, acreditámos que o nosso comportamento tinha uma relação direta com o aumento do número de casos infetados, fechámo-nos em casa e achatámos a curva. Nessa altura, sentimo-nos orgulhosos das nossas decisões, responsáveis, pelo bom desempenho português, e dispostos a sacrificar pelo bem comum e próprio, dentro do possível, os nossos rendimentos, salários, vida familiar, garantindo, porém, no futuro, a manutenção da ‘vida normal’. Casa, emprego, escola, saúde, família. Estávamos, portanto, alinhados com a ilusão de uma estratégia organizada, de uma liderança atenta dada a importância interdisciplinar dos seus órgãos de apoio, uma liderança capaz de partilhar o processo de decisão com a argumentação clara e humilde de quem sabe que não sabe nada e nos envolve para um esforço comum, ignorando sempre a experiência de profissionais.
Em novembro, não acreditamos… As propostas são ininteligíveis: autocarros cheios e restaurantes vazios, supermercados cheios até às 23h e famílias confinadas em casa após as 13h, contagiando assim o seio familiar… tudo para um mesmo objetivo, conter a propagação do vírus. Entre o comportamento e as consequências desse comportamento abriu-se um fosso: Há consequências diferentes para comportamentos iguais desde que ao abrigo de exceções políticas, de interesse político, ou de aproveitamento político. E por muito que, infelizmente, estejamos habituados a ver tais desigualdades, nas políticas, na justiça, na economia, nas finanças, na saúde, na educação, esperávamos que num quadro de pandemia fossemos salvaguardados desta ignomínia. Porem, não o fomos.
Há um crescente, não apenas de desespero, mas de impotência. Não se sabe como, não se sabe o que fazer para sobreviver, não apenas ao vírus, mas à economia fechada, à renda que não se consegue pagar, à consulta não-Covid, mais uma vez adiada. Quando somos impotentes, não temos controlo sobre o que nos acontece, e o futuro é um lugar longe demais para nos vincular. Sem controlo, seremos colhidos ou pelo vírus ou pelo desemprego, ou despejo. Deprimimos. E ainda acresce a atribuição de responsabilidade a quem anda na rua, a quem se aproxima muito, a quem vai visitar a família, a quem ainda janta fora ou insiste em trabalhar na empresa. Num país deprimido a culpa será de quem esta doente. Num país com um Executivo desorientado e cansado a culpa será sempre de quem tudo fez e faz que nem cordeirinhos as medidas sem contexto que impuseram durante meses, à revelia de profissionais de epidemiologia , virologia, de saúde em geral, que revoltados lutam minuto a minuto, hora a hora, dia após dia, para que todos tenhamos um mal menor.
Tem sido inútil questionar, fora dos núcleos de decisão, a hiper-dependência de Portugal do Turismo, a sucessão de anos de más medidas para brilharetes a curto prazo, mais cedo que tarde, venenos. Como tem sido inútil pensar o país a longo prazo de forma estrutural.
Na esperança de que a mina de ouro da UE esteja sempre pronta a disparam a ‘Bazuca’, este Governo, já nem pensa no que pode acontecer a nível social, aos portugueses, com efeito desta pandemia. Desfasados dos portugueses que falam outra língua e habitam outro mundo, os governantes entre estas bazucas e outras metáforas bélicas de apoio ao ‘país de faz de conta’, por onde privilegiadamente circulam, não reconhecem a crise já instalada dentro e fora das nossas vidas.
A isto chama-se negação. Negação da realidade.