Victor Sismeiro
Presidente da Assembleia-Geral da Federação das Colectividades de Cultura e Recreio
Num tempo como o actual em que tudo é posto à prova, nomeadamente a capacidade de resiliência das instituições, é dever dos poderes públicos estarem atentos aos riscos e às fragilidades de cada uma delas e fazerem tudo o que estiver ao seu alcance para evitar que estiolem ao ponto de perderem eficácia e capacidade de intervenção. Permitir que, pura e simplesmente, desapareçam na esperança de que, depois da crise, outras surjam para as substituir é não ser capaz de ler a História e com ela aprender o que quer que seja, porque esta não é uma crise qualquer. É uma crise que atinge a sociedade nas mais diversas frentes com uma violência como nunca vivemos, que deixará marcas profundas e provocará uma regressão económica e social da qual a Humanidade levará gerações a recuperar.
Este é o panorama a nível mundial que se replica, nas devidas proporções, a nível local.
Vejamos, então, o que se passa com as instituições locais, neste particular as do movimento associativo popular e às quais tem sido reconhecida enorme importância no suporte ao desenvolvimento cultural e social das comunidades em que se inserem: com as suas actividades regulares suspensas, deixaram de ter receitas que lhes permitam fazer face às despesas fixas com pessoal, arrendamentos, seguros, comunicação, água, energia e outras. Trata-se de encargos originados pelo simples facto de existirem e que serão tanto maiores quanto maior a dimensão da estrutura administrativa que cada entidade criou para se gerir.
Poucas serão aquelas que terão conseguido fazer poupanças em anos anteriores a um nível que lhes permita assegurar os compromissos de 2020 e, na melhor das hipóteses, pelo menos de mais de metade do ano de 2021. Em alguns casos, serão os dirigentes e associados a colocar o seu dinheiro nas instituições para que elas possam honrar os seus compromissos; noutros, e tratando-se de verbas de maior vulto, terá que haver recurso ao financiamento bancário, o qual só se obterá com garantias pessoais dos dirigentes.
É aqui que reside o cerne da questão: saber se ainda há dirigentes e associados dispostos a assumir tais responsabilidades e qual será o impacto que a actual situação produzirá junto das gerações mais jovens, das quais se esperam novas vontades de intervir na comunidade e, por consequência, nasçam novos dirigentes associativos. Será que alguém, perante a espectativa de uma próxima crise semelhante à que agora enfrentamos, estará disposto a arcar com tamanha responsabilidade? Será justo, até, que alguém lhes exija ou espere deles esse esforço? Manda o bom senso que não, pelo que é urgente que sejam tomadas medidas que ajudem a que não se esvaia tudo o que se fez até agora na construção de um movimento associativo popular forte e interventivo como aquele que ainda resiste no nosso Município e ter consciência de que, nada sendo feito, parte significativa dele ficará condenada a desaparecer e poucas serão as esperanças de que possa ser reerguida.
Aprendi com os meus mais velhos que são os momentos de crise que revelam a massa de que são feitos os dirigentes: os associativos, mesmo impedidos pelas circunstâncias de trabalhar e gerar receitas para as entidades que dirigem, não baixam os braços e vão tentando resistir até ao limiar do impossível a estes já nove meses de paralisação quase total das suas actividades; os políticos locais, esses continuam distraídos e a assobiar para o lado, nada fazendo ou tentando fazer passar a ideia de que já fizeram o que estava ao seu alcance, confundindo as associações com fábricas de produtos artísticos, como os produzidos nas empresas disfarçadas de associações que proliferam pelo nosso Concelho.
Distraídos, esquecem-se os dirigentes políticos locais de que aquilo que poderia ser evitado com o gasto público de uma ou duas centenas de milhares de euros durante este período irá redundar na perda de milhões a médio prazo e num violento impacto social negativo a médio e longo prazo que acompanhará essa perda.
Promover a ideia de que o apoio à criação de produtos artísticos é o mesmo que apoiar o associativismo popular é um logro. Aproveitar todas as oportunidades disponíveis para fazer sessões de esclarecimento sobre as opções da Câmara não é ouvir o associativismo.
Existe um organismo que agrega e representa a fatia maior das organizações que intervêm na área da cultura no nosso Concelho e que se chama Federação das Colectividades de Cultura e Recreio. É, no mínimo, estranho que a Câmara Municipal não ouça este organismo, não o considere um parceiro privilegiado quando se trata de delinear políticas e de tomar decisões dirigidas a esta área.