Começaria por evocar a origem do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Na República Dominicana, dominada então por uma feroz ditadura, a 25 de novembro de 1960, foram assassinadas brutalmente, pela polícia secreta, a mando de Rafael Trujillo, o Ditador, as Três Irmãs Mirabal, também conhecidas por “Las Mariposas”. por se oporem àquele regime opressor. Em 1981, o 1º Congresso Feminista latino-americano e caribenho decide comemorar o 25 de novembro como o Dia contra a violência sobre as mulheres, em homenagem às três Irmãs Mirabal. Mas só em 1999, as Nações Unidas viriam a proclamá-lo, revelando que é pela persistência da luta que se conseguem atingir objetivos.
Convém lembrar (porque o tempo o exige e a memória é curta) que também nós, mulheres portuguesas, fizemos frente a um regime opressor, que governou Portugal durante 48 anos, que, entre muitas outras discriminações instituídas, permitia ao marido matar a mulher, em flagrante adultério, sofrendo apenas o desterro por seis meses, e repudiá-la, no caso de não ser virgem na altura do casamento!
Tempos sombrios, tempos de sofrimento!
Mas as mulheres lutaram sempre contra estas e outras arbitrariedades, integradas em movimentos de mulheres (como o MDM, fundado em 1968) e na luta antifascista em geral, conseguiram atingir os seus objetivos, como tão bem diz Sophia, naquele“dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio”, que abriu caminho paraa supressão de todo e qualquer obstáculo que, direta ou indiretamente, pudesse constituir uma discriminação em relação às mulheres, em qualquer aspeto da vida.
Mas as grandes conquistas alcançadas, com a Revolução de Abril, não foram suficientes para alterar paradigmas e impedir que, ainda hoje, nos confrontemos com situações de grande violência.
Os números das violências estão aí a revelar a gravidade deste problema. Não vou repeti-los, mas somente referir algumas formas de violência, a que chamo subtis. Falo do desemprego feminino (58% do total), da pobreza que atinge especialmente as mulheres, da precariedade, da desregulação dos horários de trabalho, agravada com a situação pandémica (como se a crise sanitária pudesse ser desculpa para fazer regredir direitos), com repercussões angustiantes na (des)conciliação da vida profissional e familiar, das discriminações salariais gritantes e no aumento da violência doméstica.
O direito ao trabalho, e as condições em que é exercido, constitui um fator fundamental para a emancipação da mulher. Pôr em causa este direito é agravar a sua sujeição e diminuir a sua capacidade de combate e de saída de situações de violência.
Há que lembrar ainda o recrudescimento das violências: da doméstica ao namoro, do tráfico de mulheres à prostituição, da mutilação genital feminina, dos casamentos precoces de meninas, do stalking, ou perseguição obsessiva, da violência sexual, do assédio moral e sexual no local de trabalho, da violência sobre as mulheres e crianças em cenários de guerra, do aliciamento e rapto de mulheres para o negócio de “barrigas de aluguer”, para a produção e comercialização de leite materno, para a venda de órgãos e de cabelo. Há que lembrar essa nova forma de violentar as mulheres, através do cyberbullying (na União Europeia, uma em cada dez mulheres afirma ter sido vítima de cyberbullying, desde os 15 anos).
As consequências para a vida e a saúde das mulheres são devastadoras. As Nações Unidas consideram que a violência é uma causa tão grave de morte e incapacidade entre as mulheresem idade reprodutiva como, no seu conjunto, o cancro, outros problemas de saúde, acidentes de trânsito e malária.
Isto é intolerável!
É PRECISO... exigir o direito ao trabalho como condição essencial à autonomia das mulheres, combater estereótipos e preconceitos, cumprir e melhorar a legislação, garantir respostas públicas articuladas, lutar contra todas as formas de violência e mercantilização do corpo das mulheres, denunciar os crimes e ampliar a solidariedade para com as mulheres e crianças violentadas, em zonas de conflito e guerra.
Só conhecendo os seus direitos, as mulheres podem lutar por eles, vivê-los e vencer as violências de que ainda são vítimas, cabendo às instituições (governamentais e não governamentais), às mulheres, aos homens, à sociedade em geral, dar o seu contributo para informar e combater esta violação gritante dos direitos humanos universais.