A educação em Portugal é atualmente alvo de um foco de interesse há muito não percecionado. Dúvidas, anseios, oportunidades. Das limitações de uma crise de saúde pública à ponderação do nosso passado, presente e futuro, passamos pelas memórias das várias reformas do ensino em Portugal, com especial destaque para o Plano Tecnológico da Educação (PTE) que se apresentou como o programa de modernização tecnológica das escolas portuguesas. Quando aprovado, em 2007, previa dotar as escolas de acesso à internet, garantindo a acessibilidade dos alunos a um computador e, assim, tentar democratizar o acesso. O PTE pretendia também instalar equipamento informático nas escolas, incluindo os quadros interativos, equipamento de videoprojeção, impressoras e outros para que fosse possível dotar professores e alunos de ferramentas tecnológicas atuais para o ensino e aprendizagem adequados à sociedade contemporânea. Num momento embrionário, foi dado apoio para o desenvolvimento de conteúdos educativos digitais e feita uma aposta na formação e qualificação de professores na área das tecnologias de informação e comunicação (TIC).
Efetivamente, tivemos uma melhoria significativa nestes domínios, especialmente nos anos iniciais do PTE, após os quais se verificou um envelhecimento do equipamento e a inversão estratégica para a qualificação e desenvolvimento de conteúdos digitais. Com a pandemia atual, voltamos a encarar a dimensão tecnológica enquanto prioritária, verificando-se que estávamos “em lume brando” e deixando à vista de todos as limitações que chegaram ao ano 2020. Em grande parte das instituições de ensino, os equipamentos informáticos eram, em março de 2020, insuficientes e/ou desatualizados; do mesmo modo, os periféricos e equipamentos complementares estavam já obsoletos ou mesmo não funcionais; a cobertura de internet constatou-se, em muitos casos, ser insuficiente, existindo mesmo escolas não conectadas à rede; e mesmo algumas que não possuem acesso a portais de gestão de alunos ou plataformas de e-learning. Em simultâneo, verificou-se que a carência de experiência na utilização de ferramentas tecnológicas era muito superior ao expectável na comunidade docente, inclusivamente ao nível de ferramentas simples como a partilha de planos de aula por via digital e as plataformas colaborativas ou de partilha de ficheiros. Como tal, o mesmo sintoma foi verificado ao nível das ferramentas específicas de ensino à distância.
A pandemia por COVID-19 foi o ‘empurrão’ para compreendermos que desaceleramos a aposta tecnológica durante demasiados anos, sendo necessário, em poucas semanas, minimizar esse impacto negativo e encontrar estratégicas de atualizar tecnologicamente a escola. Começamos por perceber que “não é este o presente que queremos para o futuro da educação”, compreendendo que a pandemia trouxe-nos diversas oportunidades para acelerar os múltiplos processos estagnados ou ‘em banho-maria’. Assim, em poucos dias, foi necessário ativar planos de contingência ao nível dos equipamentos e da formação, capacitando professores para o uso de tecnologias e plataformas digitais; aproximar os alunos destas realidades tecnológicas, permitindo a sua adaptação ‘expresso’ a novas formas de ensino e aprendizagem; renovar as redes instaladas, garantindo o acesso à internet das escolas e da comunidade escolar, em suas casas; inovar na transição tecnológica e na capacitação de recursos humanos; e até ceder computadores a alunos, quando necessário, de forma a permitir o acesso ao ensino numa situação de emergência.
Foi, efetivamente, um esforço bem-sucedido para uma situação de emergência. No entanto, reforçamos a perceção de que a ausência de contacto com os colegas e a mentoria/ensino à distância se caracteriza por um processo individualista e com fragilidades evidentes para o desenvolvimento social dos estudantes, assim como dos planos curriculares, transformando-se num novo problema: a baixa produtividade e rendimento dos alunos. Muitos municípios encararam este momento ímpar com um sentido de oportunidade, investindo com vista à garantia do acesso à educação que, neste caso, estava totalmente dependente da tecnologia (equipamentos, redes e conteúdos). Apesar de ainda se verificar alguma resistência a estes métodos, especialmente pela sua adoção apressada e num contexto socialmente complexo, a comunidade docente e não docente já entendeu ser necessário um esforço adicional para a adaptação a ‘novos’ métodos de ensino, tirando partido das vantagens da tenologia. Mas, após a pandemia, deveremos voltar à ‘velha’ normalidade e esquecer a tecnologia?
Esta é uma oportunidade para continuarmos com o ritmo de mudança e perceber que podemos ter uma educação pós-pandemia com mais recursos, mais informação e estrategicamente melhor posicionada para uma melhor escolarização e preparação para a vida ativa. Sinónimo de investimento, evolução contínua, investigação, trabalho em equipa e em rede, o desenvolvimento de ferramentas pedagógicas inovadoras e os desafios digitais são palavras-chave do nosso futuro. Valerá certamente a pena aprender com a experiência dos últimos meses e construir um futuro com o melhor de dois mundos. Durante a pandemia, conseguimos observar uma revolução do sistema de ensino que, certamente, não deveremos rejeitar ou descartar. Voltar totalmente atrás seria um erro. Importa projetar o futuro do ensino, presencialmente na escola e de mãos dadas com tudo o que a tecnologia tem para valorizar as metodologias de aprendizagem. O caminho ideal será certamente o da apropriação tecnológica para a definição de novas metodologias, complementares e de apoio ao ensino fora da sala de aula, assim como maximizar a experiência na escola, devendo apostar-se na capacitação permanente de toda a comunidade escolar para um desafio comum.
Esta é uma oportunidade para ter uma nova escola! Uma escola mais aberta ao mundo. Uma escola que ensina e partilha experiências em tempo real, com outras escolas, outras culturas, distintos conhecimentos. Uma escola que mostra outras realidades e outras salas de aula; que permite aos alunos a conversação e interação com outros países, com outras realidades sociais e com outros contextos. Uma escola capaz de fazer com que cada aluno faça a sua própria viagem dentro e fora da sala de aula; que consiga apresentar trabalhos não apenas para os professores, como também para outros alunos, de outras latitudes. Uma escola capaz de ensinar à distância, não por videoconferência, mas através do estímulo ao acesso a plataformas de ensino online gratuitas e conteúdos diferenciados. A escola do futuro é a que permite ao aluno compreender que “é da minha sala que vejo o mundo”, possibilitando o contacto com outras línguas, culturas, identidades.
Enfrentamos oportunidades únicas para atribuir aos alunos uma autonomia acrescida e uma cultura de trabalho em equipa e em rede, adaptando-se, ainda, ao perfil individual de cada estudante. Temos, hoje, a oportunidade de renovar os planos curriculares, oferecendo mais tempo ao trabalho exploratório, em contacto direto com o mundo real, reforçando a autonomia, a criatividade e o pensamento crítico. Uma oportunidade de apoiar o desenvolvimento cívico de uma geração ativa, plena de oportunidades para explorar e construir o futuro.
Temos uma oportunidade única de contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais versátil. Com cidadãos mais ativos e profissionais mais aptos às ferramentas tecnológicas e aos desafios da economia global. Este é o momento crucial para a modernização do ensino.
É este presente que queremos no futuro?
Não poderemos permitir que daqui a 15 anos olhemos para trás voltando a perceber que estamos novamente desatualizados, apesar do investimento feito.