Ponto Prévio
Ao aceder ao convite honroso do Correio da Feira para regressar a este tema nas páginas do Correio da Feira, parece-me de inteira justiça rememorar que nunca escondi – mais, sempre defendi publicamente – que a, vulgo, ‘Lei Relvas’ pecou por… defeito, no que toca à reforma do mapa das autarquias. Desde logo, porque nem o então governante, nem o legislador, tiveram a coragem de reduzir o número de Concelhos. Acho mesmo que – sem me alcandorar a ‘dono da verdade’ – o futuro acabará por revelar até que ponto tal tibieza se constituiu (constitui) em falhanço de consequências gravosas.
Sendo mais claro: ao eliminar-se ‘apenas’ 1.168 órgãos de gestão autárquica locais (NÃO CONFUNDIR com ‘Freguesias’, s.f.f.) e 0 (ZERO!) municipais, perdeu-se tempo, dinheiro e, sobretudo, a oportunidade para se avançar para uma verdadeira reforma que – o tempo e o pragmatismo hão-de confirmar – deveria ser decisiva para um objectivo muito mais vasto: o da Regionalização.
Solicitou-me o Director do CF que comentasse as tomadas de posição assumida pelos presidentes das Uniões de Freguesia. Direi, apenas, que (sem deixar de respeitar umas mais e outras, menos, diga-se) das várias opiniões expressas, se espelha o menos-bom dos argumentos que têm vindo a ser mais esgrimidos ao longo do tempo a favor do regresso aos ‘velhos tempos’. Desde logo, uma falácia (“extinção de Freguesias”) e uma perplexidade (“redundância de custos para o erário público”).
(da) Falácia
No âmbito da aplicação da ‘Lei Relvas’, ninguém pode afirmar seriamente que tenha ocorrido a “extinção” de alguma Freguesia. Sem mais argumentar, atente-se nas denominações dos novos órgãos de gestão autárquica: “União de Freguesias de X, Y, Z, e etc.”.
Muito provavelmente, o que autarcas como Francisco Andrade (UF Souto e Mosteirô) quereriam referir, será “extinção de Juntas de Freguesia”, isto é, órgãos locais de gestão autárquica. Aliás, ainda menos se percebe a argumentação, quando é o mesmo autarca que vem, inocentemente, confirmar o óbvio ao referir: ‘… apopulação mantém a identidade das freguesias extintas, com defesa dos seus usos, costumes e tradições’(sic). Isto é, nada impede que a identidade de cada Freguesia se mantenha una e impoluta (quiçá, mais reforçada) na afirmação cultural, tarefa que, cada vez mais, cabe desempenhar pelas chamadas forças vivas de cada… Freguesia.
E aqui, cabe perguntar: que sobra, então, para reivindicar, além da constituição de mais uma ‘Junta de Freguesia’, redundante em óbvio fracionamento de poder e perda de escala?... Sem pretender sentenciar, parece-me que a resposta reside mais em razões sociais (nalguns casos de mero âmbito pessoal) que funcionais, de interesse geral.
(da) Perplexidade
Ao longo dos anos, um dos argumentos que mais me tem intrigado é o da alegada redundância de “custos para o Estado”. E não é tanto pelos números que têm vindo a ser esgrimidos; é pela perplexidade que tal argumentário proporciona, dado parecer-me (e subvertendo o adágio) tratar-se de um autêntico ‘rabo escondido com gato de fora’.
É que, face ao significado estapafúrdio do argumento, aquela afirmação, se não denota a falência, por defeito, do modelo de gestão autárquico, expõe dramaticamente as incompetências de quem o aplica: em última análise os autarcas visados, obviamente.
Pois não é admissível que, com a extinção de quase 1.200 não órgãos de gestão, logo, menos 1.200 executivos, mais os respectivos custos associados (dentre eles locação, equipamentos que vão desde o pessoal a fornecimento de serviços e – em muitos casos – viaturas e estruturas físicas de armazenamento, dentre outros, ainda consigam aumentar os custos funcionais, implodindo-se assim, desde logo, o cerne doutrinário da economia de escala (cujas virtudes estão plasmadas nas declarações, junto, de Paulo Oliveira e Fernando Leão,, p.e.).
Isto é: não é o modelo de gestão que falha; serão, antes, os seus intérpretes.
A Reforma Urgente…
…é a das mentalidades. Essa que já tarda e sem a qual nenhum projecto social de cariz progressivo pode ser levado a cabo. Já anteriormente o escrevi: sempre me espantou que populações vizinhas, convivendo em espaços geográficos contínuos, falem de fronteiras, em vez de limites, alegados direitos sobre cursos de água, guerras de tabuletas, etc., entre outras ridicularias para que – tantas vezes! – autarcas imprudentes arrastaram as gentes das suas Freguesias. Às vezes, levando ao extremo a invasão/tomada/reivindicação de espaços territoriais. Não há quem não conheça exemplos anedóticos, na sua quase totalidade a reverter custos para o erário público. E todos se lembrarão de exemplos recentes, ocorridos entre nós.
Enquanto cidadão, sonho com o dia em que as Juntas de Freguesia ganhem, principalmente ‘músculo’. Financeiro e autonómico. Para que possa esperar mais dos meus representantes. E principalmente, para que possa exigir-lhes MUITO mais.
Por agora, não posso deixar de louvar a intenção, manifestada pelo presidente da República, de vetar a possibilidade de a medida anunciada produzir efeitos para as próximas eleições autárquicas de 2021, na esperança de que, com o tempo prevaleça o bom-senso.
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