Para um amigo que tenho e é psicólogo o facto de termos medo da inteligência acontece porque “achamos que a inteligência do outro nos vai diminuir”. Fiquei a meditar no caso e só me restou dar-lhe inteira razão. Até porque acrescentou ele que “é precisamente o contrário, vem acrescentar-nos algo, tornar-nos melhor, de alguma forma mais Sábios, Fortes e Belos. E quando percebermos isso não precisaremos de enganarmo-nos reciprocamente, adularmo-nos, sermos prudentemente convenientes, enfim adoçar-nos entre si com o mel da loucura, adaptando e citando as palavras que a própria Loucura (de Erasmus)”.
Por essa razão, li algures, "quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de pronunciar o seu discurso de estreia na Câmara dos Comuns, perguntou a um velho parlamentar, amigo de seu pai, a opinião sobre o seu primeiro desempenho naquela assembleia de vedetas políticas. O velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse, em tom paternal: "Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável. Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta."
Eis uma das melhores lições de abismo que um velho sábio pode dar ao pupilo que se inicia numa carreira difícil. A maior parte das pessoas instaladas nas suas posições políticas são medíocres e tem um indisfarçável medo da inteligência.
Não é demais lembrar a famosa trova de António Aleixo "há tantos burros mandando em homens de inteligência, que às vezes fico pensando que a burrice é uma Ciência." Por via de uma dúvida que me foi transmitida indaguei e cheguei à conclusão que esta ‘verdade’ tácita também tem como autor o brasileiro José Alberto Gueiros, mas igualmente o salvadorenho Ruy Barbosa a ela está ligado, acrescentando que “a degeneração de um povo, de uma nação ou raça, começa pelo desvirtuamento da própria língua”.
Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres são mais obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços vazios deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o apetite do poder. Mas é preciso considerar que esses medíocres ladinos, oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de salvaguardar as posições conquistadas com verdadeiras muralhas de granito por onde os talentosos não conseguem passar. Em todas as áreas encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas do arrivismo, inexpugnáveis às legiões dos lúcidos.
Dentro desse raciocínio, que poderia ser uma extensão do Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdão, somos forçados a admitir que uma pessoa faz bem fingir de burra se quiser vencer na vida. É pecado fazer sombra a alguém até numa conversa social. Assim como um grupo de senhoras burguesas bem casadas boicota automaticamente a entrada de uma jovem mulher bonita no seu círculo de convivência, por medo de perderem os maridos, também os medíocres se fecham como ostras à simples aparição de um talentoso jovem que os possa ameaçar. Eles conhecem bem suas limitações, sabem como lhes custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma perna às costas, enfim, na medida em que admiram a facilidade com que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os repudiam para se defender. É um paradoxo angustiante.
Infelizmente vivemos segundo essas regras absurdas que transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante a vida. Como é sábio o velho conselho de Nelson Rodrigues: "Finge-te de idiota e terás o céu e a terra”.
O problema é que os inteligentes não gostam de brilhar. Que Deus os proteja para que as cobras não os ataquem." (José Alberto Gueiros)