A propósito da vandalização de estátuas e monumentos tenho lido alguns argumentos de complacência e compreensão para com estes fanáticos. Segundo os compreensivos trata-se de destruir representações de esclavagistas, de racistas, de opressores de fracos e oprimidos. Estas desculpas são uma falácia.
Admitir, ou justificar esta vandalização é aceitar o princípio totalitário de que um grupo possa erigir-se em juiz e em carrasco e impor aos outros a sua verdade, a sua moral, a sua leitura da História. É colaborar na destruição do contrato social que permite a convivência e que está na base da nossa civilização.
O que está em causa nesta vandalização é aceitar que grupos do mesmo tipo e com a mesma filosofia dos talibans nos imponham a sua lei. Que um grupo imponha a superioridade da sua atual moral (eles já tiveram outras) sobre a dos antepassados, uma forma de afirmação de “racismo” em que a raça é substituída pela moda da época. Uma forma de ‘supremacismo’, a base do colonialismo, e este entendido como a imposição de uma nova cultura e de uma nova religião ao povo de bárbaros representado nas estátuas.
O que está em causa é a legitimação do fanatismo e do fanático como ditador da verdade.
O que está em causa é aceitar a tese do homem de que o fanático é um bom selvagem, que pode ser recriado se forem derrubados as imagens dos seus corruptores. Que estes fanáticos têm o poder de refazer a História.
O que está em casa é uma campanha de fanáticos em cruzada contra os bezerros de oiro dos outros, uma campanha recorrente na História.
O que está em causa com a vandalização das estátuas é uma mutilação civilizacional às mãos de fanáticos como os que pretendiam impor um califado de bons costumes com a eliminação dos hereges do passado.
O que está em causa é o direito de um grupo de fanáticos utilizar a História para impor o seu regime em nome das leis do passado.
O que está em causa é aceitar ou recusar o princípio dos tribunais da inquisição, que condenava os hereges já falecidos a serem queimados em efígie, o princípio da retroatividade da lei e da descontextualização da moral. É admitir novos ‘torquemadas’.
O que está em causa ao desculpar estes atos é defender ou rejeitar as queimas de livros que foram realizadas em várias épocas e em vários lugares, de Alexandria à biblioteca de Tombuctu, no Mali, de Berlim ao Afeganistão.
O que está em causa, ao contrário do que afirmam os vândalos e os seus compreensivos amigos não é a escravatura do passado, é a imposição de uma escravatura do presente, a ditadura do pensamento único. Escreveu Voltaire “quando não há entre os homens liberdade de pensamento, não há liberdade”.
O que está em causa quando é vandalizada a estátua de um pensador como o Padre António Vieira é a Liberdade e é essa que está a ser ameaçada com estes atos realizados por estes fanáticos.