Aprendi desde cedo e em exagero que Portugal era um país prezado pelo acolhimento e pela facilidade com que travava laços com outros povos. Mais tarde aprendi a reconhecer a mentira. Percebi, portanto, que o conto de fadas ‘lusotropicalista’ torvava-nos a todos o juízo. Não seriamos tão acolhedores assim, nem pelo nosso passado e (percebemos agora) nem pelo nosso presente.
Vivi demasiado tempo na ilusão de que independentemente de qualquer ideologia política todos seriamos humanos no mais honroso sentido do termo. Confesso que o capitalismo, a ambição exacerbada do lucro não olhando a meios para atingir os fins e as repercussões que isso tem para o indivíduo comum, foram fatores que me esqueci de trazer para a equação. Contava no fundo com o mínimo de razoabilidade e humanidade daqueles que nos representam na Europa.
Foi por esperar as coisas erradas das pessoas erradas que senti também “um murro no estômago, um nó na garganta” – como escrevera Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda sobre a proposta de salvar vidas no Mediterrâneo que foi chumbada por dois votos, 290 contra 288. O alarido rapidamente se espalhou pelas redes sociais e tomámos conhecimento de que alguns deputados portugueses votaram contra o salvamento destas gentes tão iguais às nossas.
Membros constituintes do Grupo Europeu de Cristãos Democratas, Álvaro Amaro (PSD) Nuno Melo (CDS-PP) e José Manuel Fernandes (CDS-PP) votaram contra e mostraram que para eles o mandamento “não matarás” só é só aplicável se o individuo for branco, europeu, de classe média-alta e com os documentos em dia.
Recebi a notícia ao mesmo tempo que comemorava três meses a viver na Bulgária como voluntária da causa de que no mundo ninguém é ilegal. Gostaria de poder convidar tais cristãos praticantes a dedicarem o seu tempo pela mesma causa, em vez de se declararem pró-vida quando a resposta não tem de passar por eles, e, ao mesmo tempo, serem capazes de abandonar pessoas no meio do mar, prestes a afogar, como se as vidas deles fossem completamente insignificantes. Gostava que pudessem ver, tal como tenho visto, a vontade de aprendizagem e adaptação dos miúdos, assim como a tristeza no olhar dos graúdos. Gostava sobretudo que tivessem a sensibilidade de emprestar um ouvido à dor dos outros.
Só em 2018 morreram 2262 refugiados a tentar chegar à Europa. Podemos fingir que não é nada e continuar a partilhar nas redes sociais, fotos desoladoras de crianças que morreram na travessia dos mares, mas se continuarmos a votar nos mesmos nunca nada irá mudar.
Aprendi muitas coisas que vim a descobrir estarem erradas. Mas se há coisa que sempre se revelou verdadeiro e de extrema importância foi de que é nosso dever preocupar-nos com os outros, é nosso dever lutar por uma vida digna para todos. Chamem-lhe catequese da vida se quiserem.