Na altura em que o estimado leitor estiver a ler este artigo, terá já decorrido a edição 2019 do fórum Bizfeira. Para poder colher de alguma actualidade na publicação, esta redacção teve de ocorrer antes da realização do dito evento. Por esse motivo, estas linhas não são um relato do que aquilo foi, mas sim uma antevisão do que aquilo nunca poderia ter sido.
Falar sobre criação de emprego será sempre oportuno, e em Santa Maria da Feira tal devia ser particularmente grato de se fazer: se, por um lado, o concelho apresenta condições para se posicionar na linha da frente da indústria como poucos, sendo directamente servido pelas principais vias rodoviárias do país e encontrando-se a menos de uma hora de Leixões e de Pedras Rubras, permite por outro lado uma qualidade de vida ímpar, convidando naturalmente quem não é de cá, a que para cá venha.
Mas ainda assim, quando se fala de emprego e em particular de desenvolvimento industrial, Santa Maria da Feira continua a ser incapaz de se catapultar, ficando a olhar de lado para concelhos vizinhos como São João da Madeira ou Oliveira de Azeméis, muito menos bem apetrechados infraestruturalmente e com graus de saturação incomparavelmente superiores.
Será mais ou menos neste contexto que surge o BizFeira: uma promessa sofisticada de biztalks, bizspaces, storytellings, meetings e speed recruitments, disposta a substituir o motor original da real criação de emprego – que é a criação detrabalho – por rapidinhas oratórias disruptivas e exercícios de networking embalados com música ao vivo, fazendo-nos crer que é possível criar emprego pela via das lengalengas inócuas e das pancadinhas nas costas durante coffee-breaks.
Muito interessante seria saber se alguém fez alguma vez contas a quantas vagas de emprego foram efectivamente preenchidas como consequência directa dos BizFeiras anteriores, quanto tempo é que esses empregos duraram e que salários é que aí foram praticados.
Para uma geração crescente de gestores acéfalos (os auto-denominados empreendedores, que declaram o salário mínimo, mas trocam de carro todos os anos, e que estimulam uma economia sustentada na criação desenfreada de empresazinhas que nada produzem), estes são os momentos para encher o peito de ar e passear o estatuto. Muita desta gente é mal preparada, não raras vezes malformada, lê, escreve e fala pessimamente, não sabe interpretar gráficos nem demonstrações de resultados, desconhece a lei e não sabe usar o seu tablet caro para mais do que ver fotografias – mas ainda assim recruta, contribuindo generosamente para perpetuar salários miseráveis e trabalhos precários.
Num outro nível, o rosto mais visível da já referida incapacidade para atrair projectos de relevo para o concelho (e com isso criar postos de trabalho sérios) é Emídio Sousa, presentemente a braços com suspeitas da prática de falsos recibos verdes por parte da Feira Viva, que é uma empresa tutelada pela autarquia que o próprio preside. Mas será mesmo ele quem terá dado o tiro de partida num certame subjugado ao emprego, relativamente ao qual se viu confessada a pretensão de “enxotar o fantasma do salário mínimo”.
Tudo isto poderia até ter alguma graça, se não fosse tão triste. Mas é.
De facto, a criação de emprego não se compadece de folclores 4.0 enfeitados com blazers aprumadinhos e servidos com croquetes, nem pode estar alicerçada nestes desfiles de vaidades, claramente orientados à promoção dos seus oradores e organizadores, e não ao benefício de quem procura trabalhar.
Se os nossos responsáveis políticos se preocupassem mais com o “biz” e menos com o “show”, as gerações futuras ficar-lhes-iam extremamente gratas.