Fevereiro de 2019:
O ano ainda há pouco começou e já lhe associamos acontecimentos trágicos. De quanta tragédia falamos nós?
Pois bem, podíamos ser nós, as nossas irmãs, as nossas filhas, as nossas companheiras, as nossas mães, amigas e conhecidas. Ainda que tão distantes que estas mulheres pareçam estar de nós, é possível sentirmos bem perto as suas ausências.
Onze mulheres. Foram mais de duas mãos cheias de mulheres assassinadas em contexto de violência doméstica e de género. Será com certeza mais fácil meter tudo no mesmo saco e pensar nas situações que nos vão chegando em formato de notícia como casos isolados. No entanto, quantas mais mãos cheias serão precisas para encontrarmos o padrão em todos estes casos? Saliente-se que todas estas mulheres de que falámos foram assassinadas por homens.
Sobre o poder que um género exerce sobre outro, nada temos a discordar. É visível, facilmente atribuímos o papel principal e o papel secundário na sociedade só à luz dos papéis de género. Aliás, não são eles que morrem todas as semanas. Não são eles que procuram junto das entidades competentes proteção e não é a eles que a proteção lhes é recusada. São precisamente, elas que morrem, que têm a vida ali terminada por questões de exaltação de um poder. De um poder que é tão frágil que interrompe a vida a mulheres para justificar um tipo de poderio que não só é doentio como não tem sentido numa sociedade dita democrática.
As mentalidades ainda muito resignadas e conservadoras nada fazem para além de tomar conhecimento sobre o assunto. Qualquer revolta manifestada pelos grupos que mais sentem a discriminação e a injustiça é tomada como exagero. “Não querem igualdade? Não é a sair à rua a gritar que a vão ter”. Então é a fazer o quê? Porque já nem nas nossas casas caladas e quietas podemos ficar sem o risco de sermos assassinadas.
Quantas expressões e formas de pensar se enraizaram em nós e quantas mais deixaremos enraizar? As justificações são sempre várias: “porque se não és minha não és de mais ninguém”; “porque mulher nenhuma goza comigo”; “porque és mulher e deves pôr-te no teu lugar”. E perguntámo-nos: que lugar é este se não o de condição inferior que deve respeitar e submeter-se ao homem? E voltamos a perguntar: até quando?
Para todos os que olham o despertar de consciência das mulheres e a vontade de combater o problema rumo à igualdade sob a lente da histeria percebam que não estão a ser melhores do que os que sujam as mãos para matar estas mulheres. É de mortes que se fala aqui. É muito grave que um género possa decidir pela vida de outro. Tão grave quanto isso é uma sociedade desatenta que deixa que problemas desta dimensão lhe passem ao lado.
“A desigualdade? Não existe! Foram só pessoas que mataram outras pessoas. É mau e tal, mas não venham trazer os ismos para onde eles não existem”.Enquanto quisermos percecionar as coisas desta forma, nada será diferente. Uma sociedade que não reconhece os seus problemas é uma sociedade desestruturada e precisa seriamente de repensar na génese do problema. Existe todo um trabalho a desenvolver neste sentido. É preciso sair à rua com todas as que nos podiam ser alguma coisa e gritar para que parem de nos matar. É ainda mais preciso começarmos a consciencializar quem nos rodeia.
Todos os dias discursos de ódio seja ele racial, de género, de orientação sexual, religião ou ideologia política nos chegam com a maior das banalidades. Resta-nos decidir que tipo de futuro queremos. Não podemos permitir que o ódio normalize. Não podemos permitir que uma figura como um juiz desculpe violência doméstica com adultério, que retire a pulseira eletrónica a quem furou o tímpano à esposa, e que venha distorcer o conceito de feminismo. Numa sociedade em que a luta pela igualdade é uma utopia, a violência doméstica e de género é a distopia em que todos vivemos.