Artigo de opinião sobre as Autárquicas'21, do jornalista Orlando Macedo
Nesta eleições, o PSD voltou a demonstrar que, a nível local, é uma máquina trituradora de opositores, mantendo-se suficientemente eficaz ao longo dos anos, mercê de uma afinação em que os ajustes são ponderados e executados criteriosamente, mediante os condicionantes a cada ocasião: de cada vez que um elemento se ‘danifica’ a substituição faz-se tranquilamente, sem sobressaltos nem alaridos. Tira-se o Manel, põe-se o Jaquim, se necessário recorrendo ao recrutamento no campo adversário (neste caso, pagando o preço, ora essa…); mas o resultado é invariavelmente o mesmo.
Porém, a isto não é alheio o modo operativo (há quem prefira dizer ‘modus operandi’, por ser mais fino) ensaiado logo a seguir às primeiras eleições autárquicas (1976) e posto em prática consecutivamente ao longo dos 12 actos eleitorais sequentes. Diligentemente , o PSD seca o terreno à volta de potenciais opositores, recorrendo muitas vezes à célebre máxima do malogrado Jorge Coelho: «Quem se mete com o PS, leva!». Mas, ao caso, o PSD de Santa Maria da Feira não se fica pelo anúncio da bravata: há 45 anos que a põe em prática. E quem leva, são os que se metem com ele (PSD, entenda-se). Que o digam, por exemplo, os filhos dos opositores que – enquanto candidatos a um posto de trabalho no aparelho municipal – se veem permanentemente empurrados ‘para o fim-da-fila’, sem passar da famigerada ‘entrevista’; ou os promitentes fornecedores de materiais, atempadamente avisados de que se não forem «bons-rapazes», não voltarão a vender um prego ou um saco de cimento à Junta de Freguesia lá do sítio; ou ainda (e para não maçar os (e)Leitores com minudências que, em muitos casos, tão bem conhecem…) os que, não segurando o manto diáfano dos donos-da-coisa, não conseguem construir um barraco para onde outros obtêm licenças para erguer prédios com 5, 6 e até 7 e 10 pisos!!... (Não, não é engano meu; é mesmo sete e dez).
Claro que tanta genuflexão também proporciona seus bónus: os bem-comportados podem sempre beneficiar de benesses só ao alcance dos predilectos: cargos guardados para quem há-de vir (enquanto a filha-da-madrinha-da cunhada-do-vizinho acaba o curso superior, não se preenche o lugar/necessidade do Município, para si resevado); lugares para as proles dos correligionários eleitos e/ou respectivos familiares (inclui genros, noras e afilhados); chefias sectoriais para aprendizes-de-judas, etc., entre outros exemplos, em que os jotinhas reclamam (e usufruem) das primazias reservadas à casta; ou, e até, os genros, e as sobrinhas que abancam à mesa do orçamento municipal, entre coisitas sem importância nenhuma, comparado com o transfúgio, esse fantástico veículo de promoção do conforto em que tantos têm embarcado a caminho de um qualquer apeadeiro, aqui alaranjado (e de outras cores noutros sítios, que o balbúrrio é multicor ). É verdade que alguns (dos trânsfugas, entenda-se) têm-no feito com o coração dilacerado, coitados (penso eu, ainda imbuído da mais pura inocência, como podem calcular e sem deixar de ter sempre presente o exemplo do pelicano …) Mas «pronto, é a vida…», como me diria o Júlio Pereira, entre dois arpejos geniais num dos cavaquinhos que muito insistem em chamar de ukulele, vejam lá…
Olhem aqui um parêntesis
(Este parêntesis, é só para dizer que aquela coisa do ukulele parece – mas não é – aqui ‘metida a martelo’. Trata-se, quiçá, de uma forma arrevesada de tentar dizer que a gestão municipal, em Santa Maria da Feira, também se traveste à vontade do tocador e às vezes – demasiadas vezes – insiste-se em querer fazer-nos ouvir ukuleles, aonde a gente está mesmo a ver que só se deveria escutar cavaquinhos…)
Ora, deixado o parêntesis para trás, é necessário referir que o êxito do PSD não se deve apenas ao tal modo operativo. Também há – episodicamente – bons exemplos de gestão. E tal como diz muita gente, «ninguém ganha eleições autárquicas; quando muito, os que ‘lá’ estão é que as perdem…». Porém, por aqui a ideia não colhe; mesmo que o PSD (às vezes) pareça querer pôr-se ajeito para largar o lugar, o PS não tem demonstrado ser capaz de lá chegar.
Na verdade – e sistematicamente – em terras fogaceiras o PS ou perde por falta de comparência, ou perde-se nos meandros da intriga, ou faz ‘harakiri’. É assim desde o amanhecer da Democracia, em que Alcides Strecht Monteiro foi, no mínimo atraiçoado, tal como o foi António Cardoso 13 anos mais tarde, ambos ingloriamente desamparados às portas da vitória. Foi assim com outro Strecht Monteiro, (Manuel) e Costa Amorim, deixados a ‘falar sozinhos’ durante toda uma campanha eleitoral; foi assim com Margarida Gariso, vítima não só das tricas internas, como de um sentimento de misoginia que também varou as suas linhas. E este ano, assistimos a mais do mesmo. Só mudaram os protagonistas para um mesmo (e invariável) enredo. Vai seguir-se mais um longo bocejo…
Em tempo: Susana Correia veio dar a cara, assumindo a candidatura à Assembleia Municipal e ganhou 0,63% face ao resultado anterior, conseguindo arrecadar mais 1,53% que Márcio Correia. Porém, se era um ensaio para outros voos, não sobrou margem para conclusões.
Na derrota, Márcio Correia deu um péssimo sinal, quando se recusou a prestar declarações a este Jornal, para a seguir o fazer… nas redes sociais. Trata-se de um episódio tão lamentável quanto cruelmente revelador.
RETROSPECTIVA
Esta foi a 13.ª vez em que os Eleitores foram chamados a escolher os órgãos autárquicos. Valerá a pena lançar um olhar retrospecto sobre a variação dos resultados (Câmara Municipal) entre nós, ao longo do tempo.
1976: PSD 38,94% PS37,11% CDS 12,53%
1979: PSD 50,24% PS35,07 % CDS 10,51%
1982: PSD 46,04% PS41,27% APU 7,96%
1985: PSD 42,58% PS25,47% PDC 9,45%
1989: PSD 41,38% PS39,92% CDS 6,05%
1993: PSD 45,80% PS43,72% CDS 4,9%
1997: PSD 46,27% PS 43.03% CDS 4,65%
2001: PSD 50,77% PS 32,96% CDS 5,39%
2005: PSD 49% PS 39,45% CDS 3,12%
2009: PSD 48,07% PS 40,62% CDS 3,5%
2013: PSD 44,52% PS 35,26% PCP/PEV 4,24%
2017: PSD 50,48% PS 32,47% PCP/PEV 4,33%
2021: PSD 48,91% PS 30,09% BE 3,72%
Notas:
- Em 1976, o CDS ainda valia 12,53% no Concelho.
- Três anos depois, Alfredo Henriques liderava pela primeira vez uma lista do PPD, numa altura em que ocupava a presidência do Município em regime de substituição de Joaquim Carvalho.
- Já em 1982, a APU (coligação formada pelos PCP + MDP/CDE) ainda conseguia chegar aos 7,96%. Outros tempos…
- Em meados da década de 80, surgia um epifenómeno: o PDC Partido Democrata Cristão, alcançava uns inimagináveis 9,45%!
- Em 1989 assistiu-se a um pequeno terramoto político: António Cardoso – que até ali defendera as balizas do CD Feirense – entrou ao ataque na equipa do PS e só parou (fruto de um erro estratégico infantil) a 875 votos do PPD (apenas 1,46% a menos). Alfredo Henriques tremeu, mas não caiu....
- Já em 1993, António Cardoso repetia a dose mas o PPD/PSD aguentava-se, conquistando mais 1,86% dos votos. Esvaía-se ali a segunda grande oportunidade do PS e Alfredo Henriques partia, então, para um percurso marcadamente ascendente.
- Em 2009 surgia o BE, conseguindo arrebatar 2,59% das preferências dos Eleitores.
- Quatro anos mais tarde o PS apresentava um independente (Eduardo Cavaco, 35,26%) e o Bloco confirmava a tendência de crescimento, chegando aos 4,15%.
- No ano em que apresentou pela primeira vez uma mulher (Margarida Garizo) candidata ao cadeirão municipal, o PS ficou a 18,1% do PSD. Falou-se em hecatombe…
- … mas é preciso recuar 36 anos (1985 , 25,47%) para encontrar o único resultado inferior ao que o PS registou este ano.
- Se em 1976 a Abstenção atingiu 30,74%, havendo 60.854 eleitores, este ano a Abstenção bateu nos 42,68% (125.645 eleitores). Já os votos registados como “brancos” e “nulos” somam 4,69%, a demonstrar que os “descontentes activos” é que são a terceira força política do concelho. Dá que pensar…
O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.